Enquanto Túlio não chega, Vanessa está sentada na cama da bibliotecária. Jacinta revira uma caixa a procura do livro de Lispector. O silêncio e a poeira fazem Vanessa comentar:
- Você passa muito tempo em casa?
- Tempo suficiente para ler e dormir.
- Você recebe muitas visitas?
- Não.
Vanessa esperou que Jacinta continuasse o diálogo com uma explicação. Mas o silêncio retornou. Vanessa reluta:
- Você já foi casada.
- Não.
Sabendo que o silêncio iria persistir, emendou rapidamente.
- Mas tem algum relacionamento com alguém.
Jacinta parou de procurar o livro para pensar em uma resposta. Isso deixou Vanessa constrangida. Sentiu que falara demais. A bibliotecária, com um riso no canto dos lábios, disse:
- Digamos que eu sou... moderna. Eu tenho algo que é menos que um namoro e mais do que uma aventura que deveria durar um dia. Isso tem nome?
- Tem sim. Indecisão.
Jacinta riu da leveza da resposta de Vanessa.
- Eu também sou moderna.
- É mesmo? - disse a bibliotecária - e por que diz isso?
- Eu já fiz muitas coisas que, olhando pra mim, você jura que eu não teria coragem de fazer.
- Isso é ser moderna?
- Claro!
- Olhando pra você, eu juro que você nunca teria coragem de fazer amor com uma mulher mais velha que você.
- Claro!
- Olhando pra você, eu juro que você nunca teria coragem de fazer amor com uma mulher mais velha que você.
Vanessa está prestes a provar para a bibliotecária que é uma jovem moderna.
(...)
Alguns minutos após deixar o bar, Túlio está em frente à casa de Jacinta. O portão estava aberto e, ao testar desesperançoso se a porta também estava, viu que a sorte hoje estava ao seu lado.
Túlio está agora na sala e ouve o barulho do chuveiro ligado.
(...)
Ver uma mulher como Jacinta nua foi uma experiência um tanto impactante para Vanessa. Mas logo se tornou natural. Natural era mesmo a palavra. Alguns engordam, alguns emagrecem, alguns continuam vaidosos, outros não. Mas todos envelhecem. Jacinta, que não era magra nem vaidosa, já não era tão desconhecida aos toques de Vanessa. Após algumas carícias e abraços, elas agora dividem o pequeno espaço do box saturado de vapor e descobertas.
(...)
Túlio viu a porta do banheiro entreaberta e decidiu entrar. Corria o risco de ver Jacinta nua. Perigo para os olhos de qualquer um. Mas foi corajoso. Ao terminar de empurrar a porta, viu a imagem difusa de duas mulheres dividindo um pequeno espaço recoberto por uma nuvem de confissões. "Esses olhos ruins", pensou. Ele abriria a porta do box e falaria tudo o que era preciso para Jacinta. Eles estavam doentes.
(...)
Vanessa estava com os olhos fechados quando sentiu um vento frio passeando pelas costas descobertas. Não entendeu como Jacinta poderia ter aberto o box, se sentia as duas mãos da bibliotecária em pescoço. Assustada, abriu os olhos, virou o rosto e se deparou com a face confusa Túlio.
(...)
Jacinta não entendeu o motivo da presença do jardineiro em sua casa, mas a nudez revelada e a presença de outra mulher deixou a bibliotecária de respostas curtas sem saber o que dizer.
(...)
Túlio não acreditava em seus olhos. Mas deveria ser crédulo. Míope sim. Cego não. E aquela jovem... possuía um rosto conhecido. Tantos pensamentos ausentes deixaram o jardineiro impedido do poder da fala.
(...)
Vanessa não se sentia inibida. Fixou a ideia de que aquilo era natural. Mas o silêncio sempre deixava a jovem desconfortável. Entre vapores e sentimentos voláteis, ela disse uma só palavra ao jardineiro desprotegido:
- Entra...
E ele entrou. Fechou a porta do box. Na parede, três sombras indistintas tornaram-se uma só quando os três se abraçaram.