É gostoso escrever com música. Parece que durante a noite ela fica ainda mais alta. Não precisa dividir espaço com o som dos automóveis e dos móveis imóveis sobre o assoalho exausto do meu quarto empoeirado.
"No corcovado quem abre os braços, sou eu
Copacabana esta semana, o mar, sou eu
e as borboletas do que fui pousam demais
por entre as flores do asfalto em que tu vais..."
Logo eu, que nunca fui ao Rio, acredita? Eu que não sou personagem de novelas no Leblon, que não tenho relações extraconjugais, que não me chamo Helena e nem gostaria. Aliás, a minha TV é de 20 polegadas que enquadram a falta de identidade com a imagem projetada em movimento de um mundo distante dentro de cenas que não falam por nós. Por isso idolatro. Fantasio com a reportagem sobre lugares em que não estive, altura que jamais alcancei, buraco que eu nunca cavei. Metrô. Já andei. Já me xingaram na lata iluminada. Achei o máximo porque o filho da puta sou eu, que tenho educação. E é tudo assim e é tudo normal. "E as paralelas dos pneus na água da chuva são duas". E as bicicletas, sem paralelas não indicam solidão. Garupa. Assim como quando me carregavam para chegar até à casa da vó. Pertinho. Do coração. Pra que metrô? Pra que motor? Segurar com as duas mãos. Pra não cair. Mas queria levar um brinquedo. Não tinha cestinha. Não tinha como levar. Tia, eu não consigo segurar no banco. Tinha que abraçar. E a parte ruim era quando tinha que descer da garupa.