Quando eu tinha sete anos, minha tia me contou uma história muito intrigante. Era diferente das histórias que eu estava acostumado a ouvir porque não tinha exatamente um final feliz. Nem triste.
Hoje me veio esta lembrança com bastante intensidade. Então, a história contada foi mais ou menos assim:
Essa é a história de um rei chamado Midas, que por haver desejado possuir muito mais do que tinha, correu o risco de morrer de fome, e, por ter desejado criticar, sem ter uma precisa competência do que criticava, recebeu como presente um par de orelhas de burro. Este notável episódio aconteceu quando, ao criticar erroneamente Apolo em uma disputa musical, o rei recebeu um castigo. Já que Midas demonstrara ser um burro, exprimindo um insensato parecer, fez-lhe crescer orelhas como as de um asno.
Imaginem só a dolorosa surpresa de Midas, sua vergonha, e seu temor, ao pensar no quanto seus súditos iriam rir por terem um soberano dotado de semelhantes pavilhões auriculares. Procurou, então, ocultar a vingança de Apolo, pondo na cabeça um alto gorro, que lhe ocultava as orelhas. Chegou, porém, o dia em que teve que recorrer a um servo, para que lhe cortasse os cabelos, que se haviam tornado longuíssimos. Escolheu aquele que lhe pareceu mais obediente e fiel, e recomendou-lhe que mantivesse no mais absoluto silêncio sua infelicidade.
O servo-cabeleireiro não violou o juramento prestado, nem revelou jamais o segredo a nenhuma alma viva, mas não conseguiu guardá-lo para si. Tinha jurado não o revelar a nenhum ser vivo, portanto, não passara por perjúrio se o confiasse à terra. Cavou um buraco no chão e nele murmurou o que Midas não queria que soubesse, e sentiu-se aliviado de um peso enorme, como todos os faladores que não ficam satisfeitos enquanto não externam o que devem calar.
Mas, um dia, justamente sobre o buraco, já entupido, nasceu um caniço, cujas raízes desceram até tocar no buraco, e absorveram deste as palavras do servo. E os caniços repetiam, farfalhando, ao vento, por uma infinidade de vezes, de modo que muita gente o ouviu, o segredo das orelhas de Midas, que, assim, se tornou o divertimento de todos os bisbilhoteiros que viviam na Frigia*.
E me lembro perfeitamente de não ter entendido muito bem esta fábula.
Por que a confissão seria um castigo e, ao mesmo tempo, um alívio? Por que temos sempre que escolher entre um segredo ou a paz interior? Por que o sentimento de angústia não cabe dentro da gente? Será que as pessoas que também escondiam as suas orelhas de burro riram ao ouvir o infortúnio do rei? Por que nos importamos tanto em descobrir o que há por trás de cada pessoa? Para sustentar o nosso divertimento?
Minha tia não deveria ter me contado esta história, sabe? Por que história é de gente grande.
*Adaptado daqui!
Hoje me veio esta lembrança com bastante intensidade. Então, a história contada foi mais ou menos assim:
Essa é a história de um rei chamado Midas, que por haver desejado possuir muito mais do que tinha, correu o risco de morrer de fome, e, por ter desejado criticar, sem ter uma precisa competência do que criticava, recebeu como presente um par de orelhas de burro. Este notável episódio aconteceu quando, ao criticar erroneamente Apolo em uma disputa musical, o rei recebeu um castigo. Já que Midas demonstrara ser um burro, exprimindo um insensato parecer, fez-lhe crescer orelhas como as de um asno.
Imaginem só a dolorosa surpresa de Midas, sua vergonha, e seu temor, ao pensar no quanto seus súditos iriam rir por terem um soberano dotado de semelhantes pavilhões auriculares. Procurou, então, ocultar a vingança de Apolo, pondo na cabeça um alto gorro, que lhe ocultava as orelhas. Chegou, porém, o dia em que teve que recorrer a um servo, para que lhe cortasse os cabelos, que se haviam tornado longuíssimos. Escolheu aquele que lhe pareceu mais obediente e fiel, e recomendou-lhe que mantivesse no mais absoluto silêncio sua infelicidade.
O servo-cabeleireiro não violou o juramento prestado, nem revelou jamais o segredo a nenhuma alma viva, mas não conseguiu guardá-lo para si. Tinha jurado não o revelar a nenhum ser vivo, portanto, não passara por perjúrio se o confiasse à terra. Cavou um buraco no chão e nele murmurou o que Midas não queria que soubesse, e sentiu-se aliviado de um peso enorme, como todos os faladores que não ficam satisfeitos enquanto não externam o que devem calar.
Mas, um dia, justamente sobre o buraco, já entupido, nasceu um caniço, cujas raízes desceram até tocar no buraco, e absorveram deste as palavras do servo. E os caniços repetiam, farfalhando, ao vento, por uma infinidade de vezes, de modo que muita gente o ouviu, o segredo das orelhas de Midas, que, assim, se tornou o divertimento de todos os bisbilhoteiros que viviam na Frigia*.
E me lembro perfeitamente de não ter entendido muito bem esta fábula.
Por que a confissão seria um castigo e, ao mesmo tempo, um alívio? Por que temos sempre que escolher entre um segredo ou a paz interior? Por que o sentimento de angústia não cabe dentro da gente? Será que as pessoas que também escondiam as suas orelhas de burro riram ao ouvir o infortúnio do rei? Por que nos importamos tanto em descobrir o que há por trás de cada pessoa? Para sustentar o nosso divertimento?
Minha tia não deveria ter me contado esta história, sabe? Por que história é de gente grande.
*Adaptado daqui!
5 comentários:
Nossa que historia hein!Amei!
Ai Thi..os seres humanos se importam com coisas tao pequenas..e qndo deviamos notar e ouvir as importantes nós nao o fazemos!Talvez pq nos importamos tanto que seja por isso q os segredos sao pesados demias para carregarmos!
bjuh bjuh bjuh
Intrigante mesmo esta história... E sua análise também foi muito boa! A gente acaba "se achando" quando se compara aos outros porque escolhemos o que há de pior como parâmetro de comparação. Somos covardes fugindo de nós mesmos.
essa história faz a gente pensar na vida..por isso não gosto de segredos...
Continuas a escrever de forma surpreendente!
segredos.. sim.. pesados..
tão pesados como grandes orelhas de burro..
quisera eu poder viver sem os segredos.. mas às vezes muito nos interessa manter alguns segredos em prol de nossa própria integridade.
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