quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Não é Importante

Sentado à mesa, o operário sustentava nas mãos a xícara com a borda trincada. Tomava água quente. Minutos antes, havia contado as moedas: havia dinheiro para o chá; contou os degraus: não havia disposição para descê-los. O gato maldito roçava por entre as suas pernas e ele não tinha forças para afastá-lo. Sempre que podia, jogava o gato pela janela. O gato não morria. Viu na tevê que se jogasse o gato a uma altura ainda menor, maiores a chance do bichano se machucar. Então, o operário passou a visitar os andares inferiores. O gato não morria. O operário não entendia por que o animal insistia em regressar. Não o amava e, primordialmente, não o alimentava. Pousava a xícara sobre papéis que continham a sua assinatura. O operário desconfiava que não sabia mais escrever. Em todos os lugares, pediam 'assine aqui', 'na linha pontilhada', 'logo abaixo do xis'. Era só o que o sistema pedia: o seu desgraçado nome. Seu nome era a sua sentença. Surpreendentemente, o sistema era mais mecânico que a máquina que ele comandava. No trabalho, apertava sempre o mesmo botão e, para não cair numa rotina, alternava o dedo mestre entre o indicador e o anelar. Sabia que em pouco tempo seria substituído por outra máquina e outra e mais outra. Seria interessante para o sistema se ele deixasse de existir. Não entendia as regras, mas eram imposições do sistema que estavam além de qualquer questionamento. O sistema estava acima de tudo.
No último gole de água, sentiu a dormência nos pés. Minutos depois, certamente já estaria dormindo por inteiro. Passou a dormir ainda mais cedo depois que furtaram a tevê. Esperou sentando por alguns minutos. Esperou o quê? Antes de ir para a cama, estendeu os braços sobre a mesa e pousou a cabeça pesada sobre eles. Ficou assim, por muito tempo, imaginando. Imaginando o quê? E ficou, ficou e ficou. Por dias. Encontram seu corpo hoje. O operário estava com os olhos arrancados, sem as pontas das orelhas e dos dedos e com a cartilagem do nariz destruída. Ao seu lado, um gato mal-amado, então alimentado, ligeiramente gordo, que os vizinhos identificaram rapidamente, por tê-lo visto várias vezes na paisagem da janela, em queda livre, tomado por um leve desespero. Com a repercussão do caso no jornal, o sistema amparou o pobre gato que tinha no estômago o sangue do operário e o apelidou carinhosamente de 'Capitalismo'.

4 comentários:

SUSANA disse...

Muito bom! É homenagem à crise? rsrsrs

Thiago disse...

auhauhuahuahuha!!

sim, a crise chegou ao blog! tá pior do que notícia ruim!

bjobjo!!

Juliet disse...

dhasudhasudhasud
amei....o final tah mara!!!
Ai Thi vc me inspirou....no texto, verdade msmo...me deu opçoes pra nomes, os meus jah estavam tinham se esgotados, sabi neh...gatos...muitos gatos!
Adorei!!!!bjkassss

Zingador disse...

O que é isso meu caro?
Perfeito.
Sinto pena do gato que por tempos ficou mal alimentado.
risos
Abraço perfumado