Esse texto acompanha um capítulo da Novela do Manoel Carlos e suas paranóias sexuais. Não que eu as tenha ou que o texto fale sobre. É só para dizer que a televisão está me fazendo companhia, que o controle remoto não está funcionando e que não vale a pena me levantar daqui para mudar de canal. As pessoas (isso me inclui, é claro, porque a gente gosta de falar que "as pessoas" fazem isso e aquilo como se não fosse uma delas) gostam da TV como companhia pela simples inércia que ela nos oferece. Se você discorda de alguma coisa que assiste e reclama no sofá, a TV não se altera e não parte pra cima querendo ver todos os seus dentes no chão. Se você coloca o dedo no nariz enquanto assiste um programa qualquer, você não é censurado... enfim, há outras vantagens que não valem a pena discutir.
Hoje foi um dia relativamente difícil. Carregou todo o peso de uma semana que está demorando para passar.
Na segunda, o tempo estava fechado e eu precisava me precaver. Levaria um guarda-chuva comigo. Fiquei muito tempo sem um e agora eu tenho dois. Um maior e mais resistente e um outro que se dobra inteiro, super fraco e compacto. Como ainda não estava chovendo eu pensei "Não posso levar o guarda-chuva maior. Vou ficar parecendo o Jeca Tatu com ele". Esse pensamento foi suficiente para levar o frágil pseudoguarda-chuva na bolsa.
Como já previa, começou a chover. Mas não imaginava que começaria tão rápido. Mal fechei o portão e começou a chuviscar. Esperei um tempo, me fiz de valente, mas a chuva foi engrossando e eu fiquei sem saída. Abri o guarda-chuva e adivinhem: estava quebrado. Era só uma haste, mas me incomodava muito. Chovia em mim, porque ele era muito pequeno. Tudo isso pra não ficar parecendo o Mazzaropi. E de que adiantou? O Jeca era quem sabia das coisas.
Mas pra minha surpresa, comecei a reparar no guarda-chuva dos outros e vi que não estava sozinho. De cada três guarda-chuvas que eu via, dois estavam quebrados. Gostei disso. Tive a sensação de que os guarda-chuvas quebram para abrandar a solidão.
Se a semana começou com chuva, hoje o sol trincou minha nuca e o cansaço tomou conta de mim. Prova, trabalho, aulas... e a busca por um presente.
No final desta tarde fui ao shopping comprar um presente para um amigo e, graças ao horário de verão, fui incendiado pelo sol das cinco e meia. Mas não foi só isso. Esqueci que era sexta, dia das pessoas bonitas irem ao shopping, de banho tomado e tudo. Cheguei lá e percebi que eu estava muito, muito, mas muito mal arrumado. Não que estivesse tão mal vestido assim. Mas o cansaço, o peso do corpo e aquele suor na testa me davam a impressão de que eu estava poluindo visualmente aquele cenário de meninas e meninos bem produzidos. Fiquei meio envergonhado, confesso, mas passou muito rápido. Foi só o tempo do lado racional falar mais alto que o emocional. Olhei para aquele povo e pensei que a vida deve ser muito boa mesmo pra quem não tem o que fazer. É, é isso mesmo! Cambada de vagabundinhos bem vestidos! E cheirosos.
Passado o mal estar inicial, começou um outro. Eu não sabia o que comprar. Pensei em uma loja de presentinhos que havia lá e fui procurá-la. O shopping é bem pequeno na verdade, mas depois de umas três voltas, eu percebi que eu estava perdido. Naquele momento, me esqueci da loja que procurava. Qualquer outra serviria. Entraria na primeira loja em que eu visse algo que poderia ser dado como um presente. Mas naquela confusão de gente arrumada e devido ao conflito com minha mente perdida, eu só via lojas de colchões e vendedores de sorvete.
Subi pela escada rolante e, sem sucesso no segundo piso, decidi retornar ao primeiro. Mas adivinhem: eu não encontrava a escada para descer. Meu Deus, por um minuto eu pensei que eu estivesse numa série americana em que as lojas desaparecem e que as escadas só sobem. Ou eu pulava por alguma janela e quebrava todos os ossos do corpo ou andava mais um pouco para ver no que dava. Muito em dúvida, decidi andar mais um pouco.
Encontrei a escada, que estava bem perto de mim. E pra piorar, havia duas escadas para descer. Ou seja, eu sempre estive por perto de pelo menos uma delas. Conclusão: pra que engenharia perfeita se o Thiago aqui é uma anta? O processo de perda dentro shopping me levou a um grande, polêmico e já conhecido conflito: quem sou, para onde vou? Mas é claro que a resposta que eu queria estava limitada ao espaço das lojas. Lembrei que existia uma loja de perfumes perto da primeira escada rolante e logo percebi que eu tinha estabelecido uma péssima referência para me localizar. Andei, andei e andei e depois de muitos círculos, encontrei a loja. Seria ali mesmo que escolheria um presente e pronto. Minhas ideias morreram e eu só queria acabar com tudo aquilo. Entrei na loja e a atendente era uma simpatia. Expliquei o que procurava e ela me mostrou coisas bem legais. Espirrou alguns perfumes em mim, o que foi um alívio, porque agora eu poderia me camuflar melhor entre os bonitinhos do shopping. Enquanto isso, ia me mostrando as novidades. Mal sabia ela que tudo ali era novidade pra mim:
- Você conhece esse, não é Thiago?
- Não...
Mas eu já havia dito que não conhecia nenhum dos outros três produtos que ela me mostrou anteriormente. Prolonguei a frase:
- Não acredito! Adoro esse. Decidi, vai esse mesmo!
- A gente tem uma promoção!
Meus ouvidos vibraram com essa palavra mágica. Então vai moça, me explica a promoção. Ela me explicou. Sabe, a promoção não era bem o que eu queria. Mas era promoção. Comprei mais coisas. Não resisti. Hora de pagar.
Cadê o meu cartão? Na outra carteira, que está em casa.
Por que um ser tem duas carteiras? Porque ele é burro.
Mas dei um jeito. Havia um outro cartão, que uso muito pouco e que a fatura é mandada diretamente pro meu pai. Mal havia concluído uma missão e já estava em outra: explicar que fui vítima de um golpe que a moça simpática intitulou de "promoção", por isso o valor da fatura subiu um "pouquinho".
Achei o cartão e entreguei pra moça do caixa, que me ofereceu outro cartão, mas dessa vez era um tal de cartão fidelidade. Já percebeu que os cartões tem nomes simpáticos? Fidelidade, pra mostrar que você é uma pessoa leal. Crédito, pra dizer que você passa confiança. Visita, pra você ir tomar um cafezinho e usar todos os seus outros cartões em todas as grandes promoções.
Enfim, estava cansado demais pra saber sobre o cartão. Era algo mais ou menos assim: na compra de muitos reais em compras, você leva de graça o 12087845º que você comprar na loja.
- Moça, custa alguma coisa esse tal cartão?
- Não, só tem que preencher um formulário. É rapidinho.
- Tá bom então.
Fiz uma cara de quem iria fazer o cartão só por fazer, mas eu estava morrendo de vontade por dentro. Confesso: adoro cartão. E preencho rápido formulários, porque decorei meu CPF e meu CEP!
Preenchi, peguei o pacote, sai da loja e agora era só ir pra casa. Achei uma das saídas relativamente rápido. Não era exatamente a mais perto da minha casa, mas era uma saída. E me senti bem melhor do lado de fora. Pessoas cansadas voltando do trabalho, trânsito feroz, fumaça, transpiração. As pessoas arrumadas estavam confinadas no shopping. O mundo era nosso. E me senti exatamente igual a todo mundo. E olha que eu estava sem o guarda-chuva quebrado. Deve ser porque no fundo a gente se identifica pelo cheiro.
Um beijo, ótimo feriado.