quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Erro conceitual

Pensei em escrever ficção premeditada, mas tenho o pressentimento de que falharia. Então escrevo assim mesmo, com meu pulsar involuntário.

A vida é algo que se toca com os lábios. Em harmonia. Então se beija.
Mas me foge às vezes esta posse e passo a persegui-la desesperadamente. É a busca por sentido.

Li em algum lugar que se você entra em uma sala e não sabe exatamente o porquê, é sinal de que está vivendo como um cachorro.
Mas o cachorro sabe o que quer: nada. Eu, por pertencer a uma divisão mais nobre do reino animal, devo ter mais controle, usufruir do saber e progredir.
Vejo centenas de homens latindo. Outros trabalham exaustivamente a troco de alguma invenção que está por vir.
Homens que escrevem, que amam, que possuem.

Acordei um dia e a vida parecia estar lá longe. E quando eu chegava ao ponto de encontro, como numa espécie de mágica, ela se deslocava para outro lugar. Então um dia me veio uma luz:
- A vida não me entende porque não falo inglês.

Então passei a estudar e a praticar com o espelho todos os dias para ficar mais forte diante da busca.
Mas não veio a mim. Então percebi que a vida não gostava das minhas velhas opiniões. Passei a ler mais, a assistir mais e a escrever mais. Só que exagerei. Se não encontrava a vida, passei então a não entendê-la.
Precisava de faculdade então. Passar por esta metamorfose e sair fortificado, com a mente e o coração abertos.
Então a vida passou a ficar arrogante. Não tinha mais tempo, queria hora marcada.
Para formalizar compromissos, decidi ter um emprego.
De nada adiantou, a vida ficou esquecida.

Um dia, com aquela loucura, criança chorando, telefone tocando, conta vencendo e eu morrendo, tive um ataque.
A vida estava dentro de mim. E quem se lembrava?
E em que momento ela voltou a me habitar?
Acho que sempre.
A vida me persegue por todos os momentos e eu insito em adiá-los. Depois dizem que é ela que anda corrida.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Emprestando

Do Pequeno Príncipe

Assim eu comecei a compreender, pouco a pouco, meu pequeno principezinho, a tua vidinha melancólica. Muito tempo não tiveste outra distração que a doçura do pôr-do- sol. Aprendi esse novo detalhe quando me disseste, na manhã do quarto dia:
- Gosto muito de pôr-do-sol. Vamos ver um...
- Mas é preciso esperar.
- Esperar o quê?
- Esperar que o sol se ponha.
Tu fizeste um ar de surpresa, e, logo depois, riste de ti mesmo. Disseste-me:
Eu imagino sempre estar em casa!

De fato. Quando é meio-dia nos Estados Unidos, o sol, todo mundo sabe, está se deitando na França. Bastaria ir à França num minuto para assistir ao pôr-do-sol. Infelizmente, a França é longe demais. Mas no teu pequeno planeta, bastava apenas recuar um pouco a cadeira. E contemplavas o crepúsculo todas as vezes que desejavas.

- Um dia eu vi o sol se pôr quarenta e quatro vezes!
E um pouco mais tarde acrescentaste:
Quando a gente está triste demais, gosta do pôr-do-sol ...
- Estavas tão triste assim no dia dos quarenta e quatro?
Mas o principezinho não respondeu.

P.S.: Não é que estou triste, apenas encantado.