sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Em Poucas Palavras

- Sabe aquela estrela ali? Ela me persegue. A primeira vez que eu a vi, ela estava nos olhos dele.

- Às vezes a gente vê estrelas que já se apagaram há muito tempo. Para o nosso desespero, existe a distância.

- E quando as ilusões acabarem, o que vai acontecer?

- Você vai perceber que não está mais viva.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Coração Insone

- O que é mais difícil para você: o sentimento ou a ação?

- Para mim, o sentimento é anterior à ação. Sempre. Eu faço previsões, eu simulo, inverto os papéis. Eu diria que o sentimento é mais difícil porque eu não posso enganá-lo e ele insiste em me enganar muitas e muitas vezes. É um hóspede maldito.

- E as suas ações, o que revelam?

- As minhas ações revelam o quanto eu concordo com relação ao que eu sinto. A ação é o mais importante de tudo porque ela é aquilo que se vê.

- Qual a principal distinção entre ação e sentimento?

- Toda ação é finita. Ela tem hora para começar e acabar; quando falamos de sentimento, falamos de eternidade. O sentimento nunca acaba, apenas se transforma. Não há fim, o recomeço é persistente.

- Isso é capaz de justificar o fato de você se notar "perdido em sentimentos"?

- De certa forma sim. Um sentimento não começa quando um outro termina. Há o momento do conflito, do duelo. E é isso que estou vivendo.

- Se pudesse descrever isso em uma ação, qual seria?

- Seria como trocar de pele: durante certo intervalo eu teria que expor as vísceras ao sol. É o inevitável.

- Você não tem medo de que esse conflito seja eterno?

- Eu não tenho controle sobre isto; assim, sinto medo. Também se torna difícil porque ninguém é capaz de me ajudar. É uma guerra de um único soldado.

- Você definiria esse conflito como sofrimento?

- A palavra 'sofrimento' está tão banalizada quanto o amor. Eu definiria este conflito apenas como um dia chuvoso durante as minhas férias na praia. A minha felicidade vai depender do quanto eu sou grato por ter um abrigo da chuva ou do quanto eu lamento por ver meus planos arruinados. Ou eu olho pro céu e agradeço, ou peço para parar de chover. O que deve reinar é a consciência de que o céu não tem ouvidos.

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Texto rabiscado no início da manhã. A razão da minha insônia? Eu prefiro não lembrar, porque estou louco pra dormir.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Gente Fina

- Sabe aquela vontade de colocar tudo pra fora, mandar embora?

- Bulimia nervosa?

- Algo menos literal, suponho.

- É mesmo. Você nem está magra...

- Só vazia.

- Esse é o seu problema: as figuras de linguagem. Você quer terminar? Então diga: Eu quero terminar. Você quer largar o emprego? Então diga: Estou caindo fora. Você quer meter a mão na cara de alguém. Não diga nada. Vá direto à ação.

- Simplesmente não consigo. Existe um abismo entre o que eu digo, o que eu queria dizer e o que acaba acontecendo.

- É porque você acha que sempre alguém tem que sair ferido de uma conversa sincera. E você sempre acha que é melhor que esse alguém seja você. A verdade é que você não sabe fazer escolhas. Numa situação assim, é melhor sempre livrar a barra de todo mundo. Se isso não for possível, é melhor livrar a sua. Se isso também não for possível, é melhor detonar com todo mundo.

- Desumano demais, não acha?

- O oposto! Pensar em você não faz mal à saúde.

- Mas também não emagrece.

- Enfim, pense no que eu te disse não como uma lição de filosofia, mas como algo que você precisa exercitar sempre. Então, o que você deve fazer após as refeições?

- Vomitar, escovar os dentes e dar um fora em alguém. Não necessariamente nessa ordem.

- Boa menina! Me liga quando estiver magra e desbocada.

- Beijo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Ensaio

_ Eu estava sentado, montando um quebra-cabeça e me flagrei pensando em você. Meus olhos ficaram cheios d'água. É que eu sou tão tímido que fiquei com vergonha de você saber disso um dia. É que eu tenho tanta esperança, que fiquei com medo de que você nunca soubesse desses pensamentos que tenho ao seu favor. São apenas hipóteses que tentam inutilmente justificar essa umidade em torno dos meus olhos. Não sei se estou comovido, não sei se estou triste. É tudo tão claro e tão confuso ao mesmo tempo... É que gostar de alguém, do jeito que eu gosto de você, é uma coisa nova pra mim. E eu queria tanto, tanto, que você me adivinhasse, que você pensasse igual. Então não seria preciso eu passar pelo vexame de dizer que eu sou louco por você. Sinto ciúme e você nem sabe. Desde o primeiro dia em que te vi, eu quis te ver pra sempre. Estou sendo ridículo? Previsível demais? Talvez exagerado? Não!? Não imaginava que eu estivesse terrivelmente apaixonado por você? Eu não correspondi a todas as suas indiretas? É que eu sou péssimo pra isso! E eu tive medo de me entregar tão fácil a ponto de te frustrar, ou então parecer vulgar ou só mais um qualquer... Eu ensaiei tanto ontem pra te falar tudo isso! Não, não é que não seja verdadeiro. Foi só pra não esquecer nadinha de tudo o que eu queria te dizer. Ensaiei tanto que o espelho lá de casa deve ter ficado entediado! Agora eu estou aqui, na sua frente, possivelmente com cara de bobo, esperando você dizer alguma coisa antes que eu morra de vergonha, de alegria, de ansiedade, de tudo! Vai, diz alguma coisa!

Só que você não disse. Porque tudo isso eu só pensei. Não falei. Ainda.
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*Dedicado a alguém [muito especial] que ainda não sabe exatamente da minha existência.
A-i-n-d-a.

*O primeiro texto da série Diálogos foi, sem querer, um monólogo =)

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Próxima Atração

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Vem aí:

D.i.á.L.o.G.o.S

A Nova Série Improvisada (e Imprevisível) do Blog

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Mais um selinho: presente do Plínio ^^
Obrigado pelo carinho amigo.
Abração!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Contato Imediato de Primeiro Grau

Escreveria mais se não estivesse com tanta dor nas costas. Fiquei deitado muito tempo hoje. Com o término da série Nando Reis, não sei mais o que fazer.
Tenho que responder a um joguinho, que a Luiza me indicou: 1. Agarrar o livro mais próximo. 2. Abrir na página 161. 3. Procurar a 5ª frase completa. 4. Colocar a frase no blog. 5. Não escolher a melhor frase nem o melhor livro!!! Utilizar mesmo o livro que estiver mais próximo. A minha frase é:

"Ora, teatro não é somente vestimenta, é preciso saber dizer, e isso ninguém consegue melhor do que nós!"

O livro é Recordações da Casa dos Mortos, de Dostoiévisk. Tem uma outra frase dele, que gostei muito, muito:

"Com a força que sinto em mim, creio-me capaz de suportar todos os sofrimentos, contanto que me possa dizer a cada instante: "Eu existo". Entre tormentos, crispado pela tortura, mas existo! Exposto ao pelourinho, eu existo apesar de tudo, vejo o sol e, se não o vejo, sei que está lá. E saber isso já é toda a vida."

Vamos falar de alguma coisa diferente. O quê?... Ok, pensei por alguns segundo! Tenho um assunto. Lá vai:
Mês passado, estive no Detran e foi péssimo. Não só pela espera, mas todos lá eram mal humorados: tanto os atendentes, quanto os que aguardavam atendimento. E eu estava me distraindo, ouvindo uma conversa aqui, som de tevê ali, pessoas andando. E ao olhar pro guarda, vi que ele carregava uma arma. Que beleza, não? Me senti extremamente protegido. Claro, nesse país perigoso em que vivemos, a qualquer hora um bandido pode entrar no estabelecimento e matar todo mundo. E aquela arma era a nossa salvação. O bandido entrava. O policial atirava. Pronto. Fim do problema da violência no Brasil. Será mesmo? Gente, eu não gosto muito de pensar nisso, mas o nosso país é todo errado. Bom, não vamos nos aprofundar muito nisso. Foi só pra quebrar o silêncio e porque eu estava com saudade de falar " de pertinho" com vocês.

Mil beijos!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

José Fernando e as Flores Imaginárias

Havia um cantor e compositor que falava diretamente comigo. Era sem querer, obviamente, mas era íntimo. Queria tê-lo ao meu lado sempre que sentia aquela angústia, aquela vontade de ligar para o meu amor imperfeito, de corrigi-lo e, no final das contas, piorá-lo. E queria tê-lo sempre que me sentisse radiante, com a alma aquecida. Afinal, ele era um amigo para todas as horas. E numa noite dessas, em que não temos nada pra fazer, ele se sentaria ao meu lado com o seu violão e tocaria aquela música que fala da chegada do inesperado, um segundo sol pra aquecer a minha vida, que ilumina aquilo que não se pode entender, só sentir. Depois falaria do all star azul de uma amiga e do bairro das Laranjeiras. Falaria ainda por meio de músicas pouco conhecidas... Monóico para apimentar, Como se fosse o mar para mistificar e Me diga para despreocupar. E eu usaria palavras suas para dizer que o mundo não está são, mas que ele passou a ficar melhor depois da sua chegada. Espatódea, gineceu. Você e eu. Também usaria as suas notas para mostrar a alguém que estou apaixonado. Usaria as suas letras para fazê-la voltar, para ela ir embora, pra roupa secar, pra ela passar bem.
Você me disse uma vez que uma pessoa só não é ninguém. E não é mesmo. Para ter você, eu abriria mão de todos os meus sentidos, menos a audição. Então você iria me visitar trazendo flores nas mãos, flores que eu não veria, perfume que eu não sentiria. Mas quem se importa? Você então faria uma música, de improviso, pra falar de um sentimento desconhecido, da casa pra morar, da boca pra beijar, do chão para pisar, do bolo pra comer, da bola pra bater e principalmente das flores imaginárias que nascem no meu coração quando eu te escuto.

E se você puder me olhar
E se você quiser me achar
E se você trouxer o seu lar
Eu vou cuidar, eu cuidarei dele
Eu vou cuidar do seu jardim
Eu vou cuidar, eu cuidarei muito bem dele
Eu cuidarei do seu jantar
Do céu e do mar, e de você e de mim
______

Atente-se a duas coisas:

1ª - José Fernando é o nome do Nando Reis.
2ª - É o fim da série motivada pelas canções dele =]

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Paula Incorreta

Tinha um corpo e o usava. Fazia o que queria e o povo falava, falava, falava. Ela fazia, fazia, fazia. Fazia bem. Falavam mal. Repetia.
Bis, bis, bis. Chocolate no corpo. Era devorada, desejada.
O pai esbravejava. Saía escondida. Estava sem dinheiro, estava perdida. Precisava ligar para alguém, arrumar alguma coisa pra fazer. Na agenda do celular contemplava a juventude morta, esse mundo parado. Esse é um menino falido, esse é homem casado. Próximo. Perfeito.
Marca encontro. Faz de tudo. Só não beija. É íntimo demais. Passa o tempo. Veste a roupa. Vai embora. Chega em casa. Janta. O pai pergunta onde ela estava. Ela diz mais uma mentira. A verdade passou a parecer uma coisa estranha. Ela estava tão habituada a mentir que se sentia incapaz de dizer a verdade até nas situações mais simples. Segundo a sua boca, já tinha viajado por toda a Europa, era virgem e devota de São Cosme e Damião. Mas na verdade, nunca tinha saído do estado, pronunciava "São Cosmedamião", porque pensava que fosse tudo uma coisa só e sobre a virgindade, não vale a pena comentar. Até porque não se sabe exatamente quando ela deixou de ser virgem. As coisas aconteciam muito rápido, ela era muito nova, enfim.
Ela estava desorientada. E era assim que ela queria. Não ter rumos. Não viver para um futuro incerto. Era o hoje e acabou. Já havia provado vários sabores. Tinha os seus desamores. O travesseiro era o antídoto. O novo sol era um aviso. Era preciso trocar de roupa. Era preciso sair à rua. Começar o dia com seu melhor vestido. E terminá-lo completamente nua.

E o meu relevo ofereço pra sua visão
E você me afaga
Quero que sua língua lamba o meu corpo nu
E que o meu sexo te dê todo o céu azul
Nas suas pernas se encrava o tesouro do meu baú
E eu te abuso

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O Não-Despertar de Alfredo

Saudade de nós dois deitados na minha cama de solteiro. Vontade de sentir o meu corpo todo sendo revelado pelas tuas mãos. Desejo de ter o meu pescoço marcado pelo teus lábios. Eu apagava a luz, ligava o som e tirava a roupa pra você. Algumas vezes, não ligava o som. Outras, não apagava a luz.
Nos olhares anteriores, você era menina, amiga, namorada. Mas ali deitada, te via como mulher. Era a forma de sorrir com o olhar, de insinuar. Você simulava. Eu dissimulava. Avesso. O sentimento era o inverso do corpo e naquele momento você era única. Nada mais cabia no meu mundo. O resto era esquecimento. Eu riscava o fósforo para ter a vela acesa e sob a luz difusa eu não via as tuas imperfeições. A minha totalidade, naquele instante, podia ser resumida em um corpo. Era luxúria. Que fosse pecado então! O perdão era dispensável enquanto você me tocava. E a canção vestia a nossa cena, trilhava os nossos gestos. O barulho dos carros lá fora complementavam as cordas da guitarra e eu estava embriagado por você. Você era um vício que me mataria um dia e eu sabia. Logo eu, que sempre evitei café e cigarros. E me aparece você, disposta a me entorpecer. Quando você não está por perto, o cheiro que me vem é o do teu perfume, o som que ecoa é a tua voz cantando um rock desafinado, o gosto que perdura é o dos teus lábios. E eu fico pedindo para que você venha e me liberte da tua ausência. Você vem, e eu fico pedindo para que você me liberte do medo de te ver partir. Eu sou teu prisioneiro e a chave das minhas algemas você jogou no mar. Eu nunca serei marinheiro. Eu nunca irei procurar.

O Horizonte Anuncia Com o seu vitral
Que eu trocaria a eternidade por esta noite
Por que Está Amanhecendo?
Peço o contrário: ver o sol se pôr
Por que está amanhecendo?
Se não vou beijar seus lábios
Quando você se for

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Frederico e a Coragem de Não Ser

Gostava de ficar em silêncio. Ela podia entender mal aquelas palavras que, no fundo, tinham a função de dizer outras coisas. Era além do dicionário. E ele tinha medo de dizer algo que parecesse desagradável, anti-romântico. Estava aprendendo a ser ele mesmo e ao mesmo tempo alguém que ela amasse. Estava aprendendo que isso não era possível. Pelo menos era isso que ele sentia. As mentiras reais o deixavam estático diante de tudo. Recriava cenas de algum filme romântico e se via como um péssimo ator. Tinha medo de se mostrar muito interessado, de se insinuar ou de revelar seus defeitos. Ele não era nada, absolutamente nada, do que ela pensava. O manifesto dela era silencioso e não o condenava. Ele era o juiz, o réu, o advogado. As coisas estavam ruins porque ele pensava que elas eram assim. Escrevia mensagens e nunca as enviava. Não entendia por que tinha coragem de escrevê-las. E eram palavras tão bonitas. Palavras que ela nunca poderia ler. Seria isso timidez ou uma inconveniência do destino que não o deixava à vontade de verdade? A televisão ensinava que amar era a coisa mais espontânea do mundo e ele se via forçado a telefonar para ela, perguntar se tudo estava bem, sabendo que ela diria a todo instante que estava tudo certo, tudo igual. Não estava. De que adiantava telefonar então? Pra que se afundar nesse mar vazio? Pra quê? Mas que outro mar poderia ser mais receptivo? Ele não sabia nadar.

Amor eu sinto a sua falta
E a falta é a morte da esperança
Como um dia que roubaram seu carro
Deixou uma lembrança
Que a vida é mesmo coisa muito frágil
Uma bobagem uma irrelevância
Diante da eternidade do amor de quem se ama

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Desesperanças de Sofia

Abriu o livro e varreu as palavras com os olhos, mas não leu. Queria raptar os pensamentos dele, torná-los públicos, nus, identificáveis. Ela queria voltar o tempo e ter dito 'sim' para tudo. Queria um altar com fotos dele, com os presentes que não foram entregues, com manuscritos, com lágrimas. A adoração era pouco e não era pecado. O certo e o errado se camuflavam quando o objetivo era detê-lo. Queria fazer as pazes e construir aeronaves para transportá-lo até a infinitude dos seus desejos e deixá-lo lá, longe do olhar das outras. Queria que Nando Reis fizesse uma canção que falasse da saudade dela, que lembrasse dele, que ele não esquecesse, que tocasse para sempre. E era só sentar um segundinho pra lembrar dele e de tudo o que ela queria que ele tivesse feito. Esses malditos sonhos pela metade, a metade dela era verdade. O amor sem frequência fazia com que ela o amasse demais. Ele gostava dela, mas não do mesmo tanto. Isso era óbvio e desconsertante. E ela tinha aquela sensação de que não havia outro igual a ele, que ele era a primeira e única chance. Não sabia o que fazer para que ele ligasse pra ela. Ele escorria pelas mãos. Ela olhava pro céu e pedia pro coração se abrir para que outro entrasse e ele saísse. E não iria mais tocá-lo com seus beijos improváveis. Não haveria mais o rosto dele em suas fotos. E a paz que sentia com ele também se findaria. Viver era uma guerra. Soldado era ela. Esquecer era sua missão. Ter uma Guerra Mundial dentro de você é sinônimo de paixão. Toda paixão tem seu fim... e toda guerra tem seus mortos e feridos.

Mas você pode ter certeza
De que seu telefone irá tocar
Em sua nova casa
Que abriga agora a trilha
Incluída nessa minha conversão
Eu só queria te contar
Que eu fui lá fora e vi dois sóis num dia
E a vida que ardia
Sem explicação
Não tem explicação
Não tem, não tem

Não é Importante

Sentado à mesa, o operário sustentava nas mãos a xícara com a borda trincada. Tomava água quente. Minutos antes, havia contado as moedas: havia dinheiro para o chá; contou os degraus: não havia disposição para descê-los. O gato maldito roçava por entre as suas pernas e ele não tinha forças para afastá-lo. Sempre que podia, jogava o gato pela janela. O gato não morria. Viu na tevê que se jogasse o gato a uma altura ainda menor, maiores a chance do bichano se machucar. Então, o operário passou a visitar os andares inferiores. O gato não morria. O operário não entendia por que o animal insistia em regressar. Não o amava e, primordialmente, não o alimentava. Pousava a xícara sobre papéis que continham a sua assinatura. O operário desconfiava que não sabia mais escrever. Em todos os lugares, pediam 'assine aqui', 'na linha pontilhada', 'logo abaixo do xis'. Era só o que o sistema pedia: o seu desgraçado nome. Seu nome era a sua sentença. Surpreendentemente, o sistema era mais mecânico que a máquina que ele comandava. No trabalho, apertava sempre o mesmo botão e, para não cair numa rotina, alternava o dedo mestre entre o indicador e o anelar. Sabia que em pouco tempo seria substituído por outra máquina e outra e mais outra. Seria interessante para o sistema se ele deixasse de existir. Não entendia as regras, mas eram imposições do sistema que estavam além de qualquer questionamento. O sistema estava acima de tudo.
No último gole de água, sentiu a dormência nos pés. Minutos depois, certamente já estaria dormindo por inteiro. Passou a dormir ainda mais cedo depois que furtaram a tevê. Esperou sentando por alguns minutos. Esperou o quê? Antes de ir para a cama, estendeu os braços sobre a mesa e pousou a cabeça pesada sobre eles. Ficou assim, por muito tempo, imaginando. Imaginando o quê? E ficou, ficou e ficou. Por dias. Encontram seu corpo hoje. O operário estava com os olhos arrancados, sem as pontas das orelhas e dos dedos e com a cartilagem do nariz destruída. Ao seu lado, um gato mal-amado, então alimentado, ligeiramente gordo, que os vizinhos identificaram rapidamente, por tê-lo visto várias vezes na paisagem da janela, em queda livre, tomado por um leve desespero. Com a repercussão do caso no jornal, o sistema amparou o pobre gato que tinha no estômago o sangue do operário e o apelidou carinhosamente de 'Capitalismo'.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A Promessa do Novo

Disse, em alguma postagem perdida por aqui, que tentaria criar coisas novas. Pois então, aqui está uma tentativa. Espero que gostem. [Nossa, eu estou falando como se eu tivesse uma legião de leitores, cadê o humildade Sir. Thiago?]

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O preço

Olhou pra'quelas pernas. Flertou. As pernas eram tortas, a boca não. As mãos cruzadas sobre a intimidade davam um ar de pureza que ele sentia nojo. Ele gostava era de puta. Recusou uma mulher, uma única mulher em sua vida. Isso porque a sem vergonha, além de ser casada com um cangaceiro feroz, tinha feridas entre as pernas. Ele tinha bebido demais naquela noite e, quando viu as chagas, vomitou sobre os seios descobertos da infeliz, que berrava de nojo, assim como ele. Saiu em disparada, tropeçando no nada que a embriaguez transformava em imensas pedras pelo caminho. Apagou a memória e voltou a pensar na moça de família de pernas tortas que estava deselegantemente sentada a sua frente. A moça era uma besta e, pela postura, parecia ter vestido a blusa com cabide e tudo. Ela estava sozinha e ele se aproximou. Rústico e homem, assim ele era. Ofereceu uma pinga, mas ela não notou que era componente daquele diálogo. Ele falou mais alto, ela estremeceu e voltou o rosto feio para o homem, também feio. Não havia entendido uma só palavra, mas fez que sim com a cabeça. Ele socou o copo de pinga na boca da infeliz, que tomou tudo num gole só. Era pra animar, gritou ele mais uma vez. Ela estava ali, frágil e pequena, diante da virilidade de um homem sujo que socava e socava e socava pinga a dentro, dentro dela. Ela agora era fogo por todos os lados e ria e ria e ria. Sentiu as mãos ásperas e calejadas do homem contornando as suas pernas. O receio se transformou em desejo e ela queria mesmo era se entregar. Até procurou com o canto do olho um local escondidinho para que os dois ficassem mais à vontade e de preferência sem roupas. Achou! Mas não teve coragem de falar do esconderijo para ele. O que ele pensaria? Mas antes de refletir, ela se viu agarrada e arrastada para uma outra moita, e veja você, bem maior que aquela avistada primeiramente. Ele era mais esperto, concluiu ela. Na moita, ele começou a arrancar a blusa de doze reais que ela comprara na feira e ela sentiu o rosto ficar rubro porque lembrou que não estava limpa. Ele abaixou as calças e ela sentia aquele cheiro de pinga com suor com mijo, que na verdade, não saía dos poros dele, e sim dos dela. 'Diacho de mulher porca', ele pensou. Não podia voltar atrás, teria que comer. A mulher parecia um espeto com carne que gira e gira, dura feito aço, com gosto de coisa estragada. E ele que pensava que ela era diferente. Não era. Ou ela era dona de um corpo sem novidades ou ele já havia vivido demais. Ele terminou o serviço, ela estava exausta, passiva, objeto. Ele nada disse, não se despediu e tentou sumir o mais rápido que pôde. Ela era sensível. Já estava com saudade. Saiu correndo em direção ao homem, porque tinha algo muito importante pra lhe falar:
_ Moço, é dez reais.

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Estou muito surpreso com tudo isso. Minhas postagens são diretas, não tenho rascunhos nem idéias pré-moldadas. Saem coisas que até eu duvido! É texto novo, é formato novo, não é o meu forte [se é que eu tenho algum]. Mas... mudar é preciso [só de vez em quando, porque o Thiago subjetivo e doce sempre volta].