quinta-feira, 26 de maio de 2011

Refração

O Sol real está abaixo do horizonte quando temos a impressão de que ele está alinhado com o mesmo, devido à refração atmosférica. Ou seja, quando vemos o Sol se pondo, ele na realidade já se pôs*.

Nascer, por si só, é uma grande aposta. Não sabemos nem onde, nem quando e muito menos de que forma vamos morrer. Mas essa é uma das menores dúvidas da vida. Não sabemos se vamos casar, ter filhos ou se vamos saber nadar.
Eu acho que sei nadar, mas nunca fui na parte funda. Imagina a surpresa?
A gente diz que viver é uma grande aventura, mas também é uma grande fuga de riscos. Normalmente por uma causa nobre: a gente quer viver mais, a gente quer viver melhor. Mas eu ainda acho que existe um limite situado entre não querer morrer e não desejar viver para sempre.
Estranho, porque parece horrível dizer que você quer morrer quando estiver exausto de tudo isso. Parece traição. E existe o medo também. Medo de morrer mal: temor de quem está acostumado a viver bem. De ver que o seu dinheiro, a sua saúde e a sua vontade já não são suficientes. Já não podem evitar. E a morte é honesta e livre de preconceitos. Carrega qualquer um. Uma dose apenas, mas há controvérsias. Eu particularmente quero morrer uma vez só e sem avisos.
Mas e seu eu morresse agora?
Bom, primeiro: esse texto pararia por aqui. Vamos aguardar.

Olá, não morri. Não comemorem ainda.
Se eu morresse agora eu sentiria muita pena. Tem muita gente pra eu dizer que amo e outras tantas pra eu dizer que elas não me fazem a menor falta - aqueles que pensaram em comemorar. Tem os lugares dos quais sinto saudade e os que eu não conheci. As sensações também. Tem muita coisa que não senti ainda. Mas apesar de tudo, eu perdoaria o destino.
Porém, se eu morrer ano que vem ou daqui 92 anos, atingindo os mesmos 114 anos da pessoa mais velha do mundo, eu sentiria falta das mesmas coisas - com pequenas modificações é claro, mas nada que altere o contexto.

Acho que não quero viver para sempre, mas eu quero ser completo. Quero desvendar a refração e saber o tempo exato - inclusive aquele para sair de cena. Mas que a ilusão continue, para que o meu sol ainda brilhe mais um pouquinho para aqueles que gostam de observá-lo.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Planos que eu não tenho

A minha vida é um projeto muito confuso de tentativa e erro. Às vezes eu acho que deveria planejar mais. Só que isso é um sinônimo de fracasso para mim. Porque eu pareço falso, crio expectativas erradas e altero a maluquice do destino.
Quero muito viajar, talvez por consequência da leitura do livro Eat Pray Love, mesmo que a uma velocidade de 0,001 página/mês. Para tanto eu vou precisar economizar e isso é algo que nunca fiz antes. E não é porque sobra. É que me adapto muito rápido ao pouco que ganho.
E tal qual a autora desse livro, eu apenas preciso reconhecer que essa risada escandalosa que invade o meu apartamento é, quem diria, minha mesmo.

Gente, eu estava na beira do caos. Achava tudo aqui muito chato, o mestrado muito chato, as matérias muito chatas... Mas eu me libertei disso. Tudo é muito chato mesmo. Bacana sou eu. Interessante. Atraente. Frete grátis. Mentira! Só atendo a região.
Brincadeira.
Que confusão.
Mas resumindo, é isso que estou vivendo. Acho que toda a poesia e melancolia pediram licença. Eu sou apenas um caderno. E aceito o demérito de sê-lo.
E na verdade sempre houve um plano para mim. Eu estava me culpando por não ser um estudante-filho-irmão-engenheiro perfeito. Mas não é nada disso que se espera de mim. As pessoas me querem em conflito com minhas habilidades, que eu não pare de escrever e que não incendeie o mestrado. Ao mesmo tempo em que desejam que eu seja um filho tranquilo com comentários muito ácidos sobre os casos de família. Um amigo incontrolavelmente instável, que te acha insuportável e não faz questão de disfarçar, mas te adora mesmo assim. Um paranormal não-evangélico que não deixa de usar a foto dos irmãos no visor no celular - o que simplesmente diz na minha cara toda vez que atendo uma chamada: Sim, você é um solteirão.
E para toda essa confusão que existe para ser cumprida, eu sou deliciosamente perfeito.

E o que eu me pergunto é por que, por tanto tempo, eu adotei um modelo de perfeição que não foi feito para mim? É um erro tão comum. Eu sou perfeito sim. E os defeitos já estão inclusos no pacote. O preço meu bem, é um só.
A não ser, é claro, que você não esteja na região.
Brincadeira.

sábado, 14 de maio de 2011

Só dói quando calo

A dor é sempre algo tão novo. Se fosse a mesma, a gente seria acostumado. Só dói quando calo. Então a gente chama um amigo e conversa. Sempre com a desculpa de fazer a dor passar. E, veja bem, não é que passa? Não, é tudo camuflagem. Ela continua ali. A dor é imortal, cumulativa e bordô. Relembrar algo que te machucou, dói. A dor, quando buscada nas lembranças, parece menos intensa. Diz-se então que foi superada. Mas não foi a dor que perdeu a sua força. Foi a memória. Eu me lembro perfeitamente de tudo o que fez o meu coração sangrar. Às vezes perdoei. Por amor a mim mesmo. É uma sentença de morte que eu não quero aplicar ao destino dos fracos. Não quero esse peso para as minhas costas. Seria então: peculiar, porque dor não possui um sinônimo perfeito. Tenta-se explicar, mas para a dor só há hipóteses - o que compreende aquilo que poderia ter sido evitado. Mas repito um conselho:
Nunca evite a dor. E eu vou dizer por que:
A primeira dor que se sente é a de respirar pela primeira vez. Depois vem um tapa, a claridade das salas, o alimento. Passado um tempo pode-se entender os primeiros sons, associá-los. Então se fala. E a palavra é o demônio da dor. Até quando não se diz.
Só dói quando calo.
E quando falo também.


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Sugestão do Victor Ribeiro.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Resumo

Eu tive que engatinhar 150 quilômetros para aprender a andar.
E isso diz tanta coisa que acho que já posso terminar o texto por aqui.

domingo, 1 de maio de 2011

Contra-Honestidade

Eu não quero morrer. E acho que nunca senti isso com tanta intensidade.
E me veio justamente no ônibus essa ideia de querer estar vivo para constar.
Quero estar lá quando chegar o tempo.
E é algo diferente de felicidade.
É egoísmo.
É ganância.
É vontade de ter o que me pertence.
De não deixar o outro roubar.
Eu quero durar.
Quero ser justo com a vingança de alcançar aquilo que pensei não ser capaz de domar.
Quero vencer e esfregar na minha própria cara:
Está aí, você conseguiu. Satisfeito? Agora pega essa droga e enfia no rabo.