sábado, 4 de outubro de 2008

Da fila do mercado

a moça mal vestida me mostrou três coisas:

  1. O mundo é transparente, mas eu sou cego
  2. Se o dia de viver é hoje, o amanhã pode esperar
  3. Em tempos de amor escasso, proteja-se quem puder


A inspiração de hoje veio justamente da fila do mercado. Às 10 horas da noite. Sábado. Sai com um amigo, jantei, fiz trabalho (não necessariamente nessa ordem) e lembrei que caso não fosse ao mercado não teria nada em casa para o domingo. Fiz uma compra pequena, porque domingo eu acordo depois do almoço justamente para não precisar prepará-lo.

Na minha frente na fila do caixa havia uma moça vestida loucamente. Assim: mulambenta. Não sei nem soletrar São Paulo Fashion Week já que sou um zero à esquerda quando o assunto é moda. Mas a moça era uma mistura de hippie com cigano com galo de briga com alguém que acabou de acordar.

Quando ela colocou a suas compras na esteira do caixa eu percebi que havia muitos legumes, frango e um pacote de camisinhas. Havia frango e um pacote de camisinhas. Havia um pacote de camisinhas! E ainda por cima estava escrito “Jontex, embalagem econômica”. Eu falei pra mim mesmo “Thiago, faz cara de que não viu a camisinha”. Mas parece que quando você faz cara de que não viu a camisinha você fica com cara de que viu a camisinha.

Enquanto eu flertava a camisinha, a moça mal vestida tirou da bolsa a sua carteira (também mal vestida) e deixou cair duas moedas. Uma ela recolheu. A outra eu peguei e devolvi a ela, que logo disse:

- Obrigada.

E o que esta palavra de oito letras tem a ver com o resto da história? Esta palavra foi pronunciada de uma forma calma e doce que até parecia dublada. Só que mais do que isso, essa palavra me desconsertou. Imagine você que a moça mal vestida me convenceu com uma só palavra que ela era boa, educada e instruída. Coisa que muita gente, com discursos de extensões políticas não consegue fazer.

O pior (ou melhor), querido leitor, é que mostrando ser educada e livre, a moça mal vestida fez com que eu parasse de olhar para ela e começasse a olhar para mim. “Thiago, você que se diz aberto para novas idéias, que coloca o moralismo na lixeira e o orgulho no ralo, que diz sempre pensar duas vezes nos assuntos, compreensível e receptivo à diversidade de cultura e pensamento... e veja só, justo você com esse pensamento bobo e atrasado sobre sexo!”

Pois é, justo eu. Aquilo pra mim era uma cena de filme: eu com cara de camisinha envergonhada, a moça mal vestida, o frango, os legumes, a própria camisinha e uma trilha sonora dos anos 70. Isso! Tocava uma música muito boa e de repente eu voltava pouco a pouco a ser eu mesmo. Sim, eu sou aquele velho condenado com as novas idéias de liberdade.

E pensei também em como o mundo seria melhor se todos fossem iguais à moça mal vestida. Porque a moça mal vestida compra camisinha e não se importa se uma cambada de tontos fica olhando. A moça mal vestida tem sempre os pés no chão, mas sabe que pode voar. A moça mal vestida é coisa rara e preciosa, diferente da leva de vadias que escondem a falta de pensamento com roupas da moda e jóias caríssimas.

Por que eu escrevi esse texto? Primeiro, é um pedido de desculpas à moça mal vestida pelo meu modo cego de ver as coisas. Segundo, para dizer que a moça mal vestida é uma mulher linda e inteligente, um exemplo a ser seguido, Terceiro, pra dizer que pra mudar basta estar vivo. Eu estou falando de mudança de opinião, de postura, de pensamento e atitude. Ao viver essa situação, penso que eu mudei. Você pode fazer o mesmo às vezes?

E pra finalizar, eu escrevo esse texto pedindo para que você se proteja. Em todos os sentidos.

Proteja-se.

Liberte-se.

Para verdadeiras descobertas, não peça novas paisagens, peça novos olhos.

Então, pra nós, um hoje mais feliz.

Mil beijos.

E com alguns quilos de moralismo a menos, sigo vivendo.

Um comentário:

Sara disse...

Adorei. A gente acha que sempre lutamos por uma liberdade pessoal, esquecemos que ela só existe nos outros, na gente sempre falta demais, somos nossa própria prisão, o medo de marcar a impressão errada e sermos mal interpretados. Isso nos limita. Mas pra tudo tem uma razão, é a moça mal vestida foi uma seta pra isso.

Valeu pela visita. =*